Profundo cansaço

(Praia das Conchas, Moçâmedes - Angola)

Estou acabrunhada entre um cansaço
Um terrível cansaço
E uma angústia
Que não sei donde vem
Amarfanha-me a alma
Torna trôpego o meu sentir
Que não é mais do que uma encruzilhada
Onde vagueio por ruas labirínticas...

O meu ser
Está encurralado
Entre grades
E a minha mente...
Rodopia
Entre sons agudos de vozes
E grilhetas que se arrastam

Tento fugir
Mas por onde ou para onde?
A dor
Faz-me arquejar
Mas tento
Mais uma...
E outra ainda...
Força inesgotável
Que me arrasta neste(s) labirinto(s) do estar...


Céu Castelo-Branco (2001) In Exílio(s)…
Com África no fundo do olhar.
Coimbra: Pé de Página Editores.

O LOBO

Arcadas

Guerra Civil

É contra mim que luto
Não tenho outro inimigo.
O que penso
O que sinto
O que digo
E o que faço
E que pede castigo
E desespera a lança no meu braço

Absurda aliança
De criança
E de adulto.
O que sou é um insulto
Ao que não sou
E combato esse vulto
Que à traição me invadiu e me ocupou

Infeliz com loucura e sem loucura,
Peço à vida outra vida, outra aventura,
Outro incerto destino.
Não me dou por vencido
Nem convencido
E agrido em mim o homem e o menino

Miguel Torga

Começo

Magoei os pés no chão onde nasci.
Cilícios de raivosa hostilidade
Abriram golpes na fragilidade
De criatura
Que não pude deixar de ser um dia.
Com lágrimas de pasmo e de amargura
Paguei à terra o pão que lhe pedia.

Comprei a consciência de que sou
Homem de trocas com a natureza.
Fera sentada à mesa
Depois de ter escoado o coração
Na incerteza
De comer o suor que semeou,
Varejou,
E, dobrada de lírica tristeza,
Carregou.

Miguel Torga

Comunicado

Na frente ocidental nada de novo.
O povo
Continua a resistir.
Sem ninguém que lhe valha,
Geme e trabalha
Até cair.

Miguel Torga

Avenida da igreja

A noite e a passadeira

Corpos por enfeitar

Estamos perto do Natal

Jerónimos

Praça do Comércio

Lisboa "Avenida da Liberdade"

Época Natalícia

Pôr-do-sol

FRAGAS DE S. SIMÃO

PÁTRIA

Soube a definição na minha infância.
Mas o tempo apagou
As linhas que o mapa da memória
A mestra palmatória
Desenhou.

Hoje
Sei apenas gostar
Duma nesga de terra
Debruada de mar

Miguel Torga

Jardim

Memórias

BUCÓLICA

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caídas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.

Miguel Torga

Vermelho