segunda-feira, outubro 30, 2006

DESTINO


D E S T I N O

Traço um risco no chão, á beira d'água:

Não tarda que a maré o devaneça.

Assim esquece o poema.É dura sorte

Que traços e poemas se equivalham

Na maré indiferente que é a morte.

in POEMAS POSSÍVEIS de JOSÉ SARAMAGO

foto de : MJARCANJO 2006

domingo, outubro 29, 2006

I


Navegámos para Oriente –
A longa costa
Era de um verde espesso e sonolento

Um verde imóvel sob nenhum vento
Até à branca praia cor de rosas
Tocada pelas águas transparentes

Então surgiram as ilhas luminosas
De um azul tão puro e tão violento
Que excedia o fulgor do firmamento
Navegando por graças milagrosas

E extinguiram-se em nós memória do tempo

Shohia Mello Breyner Andresen
Foto A.Fachada

sexta-feira, outubro 27, 2006

Tautologia


Dão-nos luz porque há trevas,
Dão-nos água porque há sede,
Dão-nos dias porque há noites,
Dão-nos alegrias porque há tristezas,
Dão-nos respostas porque há perguntas,
Dão-nos corpo porque há mente…
Dão-nos vida porque há morte.

©Amores Perfeitos – Nuno pinto Bastos
Foto A.Fachada

quinta-feira, outubro 26, 2006

Cascata



FOTO A.FACHADA

quarta-feira, outubro 25, 2006

A Tarde

“A tarde morria! Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas”

Castro Alves
FOTO A.FACHADA

terça-feira, outubro 24, 2006

A vela e o monstro

Oiço ruídos fugidios
Nesta casa de assombro
Abandonada e esguia
Onde cobro na noite estrelada
De luar perfeito e vazia
O espectáculo do medo
Bailam as árvores lá fora
A dança da solidão que chia
Ao som da madeira que estala
E do candeeiro que dança
Na noite da demora trepadora
Das paredes da mansão assustadora
Solto de mim o pó e o dó
Com um grito incrédulo e só
Na escuridão da vela apagada
Onde a tua cadeira continua esquecida

©Amores Perfeitos – Nuno Pinto Bastos
FOTO A.FACHADA

domingo, outubro 22, 2006

EU ESCREVI UM POEMA TRISTE

Foto A.FACHADA
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Mario Quintana - A Cor do Invisível

sábado, outubro 21, 2006

Olhar enigmático

quarta-feira, outubro 18, 2006


E, enorme, nesta massa irregular
De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés de fel como um sinistro mar!

Cesário Verde

segunda-feira, outubro 16, 2006

Acordo em sobressalto
















Acordo em sobressalto
Ouço vozes
Gritos
Sempre
Quase sempre
Aqueles loucos gritos
Estridentes
Inconsequentes
Que vêm de longe
Acompanhar meu sono
E inquietar
O meu cansaço...

Oh! África, África
Mutilada
Abandonada...
‘inda hoje
Martelam meus sonhos
Chacinas horríveis e turbulentas
‘inda hoje
Foge meu espírito
De sangrentas perseguições

E vagueia na minha mente,
Aquele rosto de criança,

Braços estendidos
Pedindo não sei o quê...
E vejo o “meu” povo
Amordaçado
Despido de tudo
Mendigando de todos
Na vastidão imensa do abandono

E meus olhos choram
Minh’alma está desfeita!


Maria do Céu Castelo-Branco (2001)
In Exílio(s) com África no fundo do olhar.
Coimbra: Pé de Página Editores.

domingo, outubro 15, 2006

Fotografia de MJArcanjo 2006


...Que culpa terão as ondas
Dos movimentos que façam?
-São os ventos que as impelem
E sulcos profundos traçam.
...Aos ventos quem lhes ordena
Que rasguem rugas no mar?
-São as núvens inquietas
Que os não deixam sossegar.
...E as núvens, almas de névoa,
Porque não param, coitadas?
-É que as aas das gaivotas
As trazem desafiadas.
...Mas as asas das gaivotas
O cansaço há-de detê-as!
-Juraram buscar descanso
Nas pupilas das estrelas.
E como as estrelas estão altas
E não tombam nem se alcançam,
As asas das pobrezinhas
Baldadamente se cansam...
Baldadamente se cansam....
Baldadamente palpitam!...
As núvens, por fatalismo,
Logo com elas se agitam;
Os impulsos que elas dão
Arrastam as ventanias;
As vagas arfam nos mares
Em macabras fantasias...

...Assim as almas inquietas...
Prisioneiras de ansiedades,
Mal que se erguem da terra,
Naufragam nas tempestades

in Dispersos - Reinaldo Ferreira

Nuvens de Outono

Nós

Fico - deixas-me velho. Moça e bela,
partes. Estes gerânios encarnados,
que na janela vivem debruçados,
vão morrer debruçados na janela.

E o piano, o teu canário tagarela,
a lâmpada, o divã, os cortinados:
- "Que é feito dela?" - indagarão - coitados!
E os amigos dirão: - "Que é feito dela?"

Parte! E se, olhando atrás, da extrema curvada
estrada, vires, esbatida e turva,
tremer a alvura dos cabelos meus;

irás pensando, pelo teu caminho,
que essa pobre cabeça de velhinho
é um lenço branco que te diz adeus!

Guilherme de Almeida

sexta-feira, outubro 13, 2006














Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, outubro 12, 2006














“O mar azul e branco e as luzidias
Pedras – O arfado espaço
Onde o que está lavado se relava
Para o rito do espanto e do começo
Onde sou a mim mesma devolvida
Em sal espuma e concha regressada
À praia inicial da minha vida.”

Sophia de Mello Breyner Andresen

quarta-feira, outubro 11, 2006


Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

(Eugénio de Andrade)

terça-feira, outubro 10, 2006

Se cada dia cai


Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda (Últimos Poemas)

domingo, outubro 08, 2006


"Os passos que dou conduzem-me à partida
Numa rota redonda,
As lágrimas que me caiem
São as que bebo."

* Fotografia de Richard Doble *

Os Convencidos da Vida










Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear. Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força. Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista. Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?
(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil. Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro. Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.

Alexandre O'Neill, in Uma Coisa em Forma de Assim

Queria ir longe por aí...













(imagem retirada da web)

Queria ir longe por aí
Caminhando na areia
Só nós dois
Juntando mais uma
E outra ainda
Às velhas conchas
Que já temos...
E as palavras
Brotavam sem querer
Pela simplicidade
De quem diz o que sente
Como o vaivém das ondas
Tão naturais
A esvaírem-se na areia...

E assim passava o nosso dia
Interminável
Sem um senão
Cheio de preenchimentos
E murmúrios...
Eu e tu
Tu e eu
De mãos dadas a criar a vida

Maria do Céu Castelo-Branco (2001)
Poiesis – Antologia de Poesia e Prosa Poética Portuguesa Contemporânea.
Lisboa: Editorial Minerva.

sábado, outubro 07, 2006

O desassossego d(´)o ser


Sinto sossegado
Um olhar silencioso
Entre a gente
Os olhos tristes
Contentes em gargalhadas
Simples de um mundo falso
Que fala dentro de nós
Em pensamento único
Que nos questiona
O que vai por dentro
O que sinto por fora!

©Amores Perfeitos – Nuno Pinto Bastos

ÚLTIMOS DIAS DE VERÃO

imagem de: MJARCANJO 2006 CASCAIS

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA


(imagem retirada da web)

Se não fosse esta certeza
que não sei de onde me vem,
não comia, não dormia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.
António Gedeão - Poesias Completas

Mar Português


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa, (in Mensagem)

sexta-feira, outubro 06, 2006

O cansaço desce sobre mim













(fotografia retirada da web)
O cansaço desce sobre mim
Invade-me o corpo
Cobre-me a pele
Consome-me acordada
Prostrando-me nem sei porquê...

O cansaço desce sobre mim
Invade-me o corpo
Cobre-me a pele
Consome-me acordada
Prostrando-me e sei porquê:
-Pel’a síntese de todos os (des)encantos…

Maria do Céu Castelo-Branco (2001)
In Exílio(s) com África no fundo do olhar. Coimbra: Pé de Página Editores

quinta-feira, outubro 05, 2006

Sou um guardador de rebanhos



(imagem retirada da web)

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.

Alberto Caeiro

terça-feira, outubro 03, 2006

SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...
Quando se vê, já é 6ªfeira...
Quando se vê, passaram 60 anos...
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
seguia sempre, sempre em frente ...
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Mario Quintana ( In: Esconderijo do tempo)

segunda-feira, outubro 02, 2006

Grito nocturno

A noite cobriu o horizonte
E na cidade reina o descanso
Horas de sonho que passam
Num imaginar singular
Que só acorda o mais inquieto
Desperto à procura de respostas
De caminhos e sentidos
Mente inconformada
Vontade revoltada
Que se move e remove
Em movimentos sem conta
Energia perdida
De alguém que grita consigo
Num eco profundo
Que estimula,
Num olhar húmido
Que encontra ao fundo no horizonte…
Os contrastes entre o preto
E o azul…

©Amores Perfeitos – Nuno Pinto Bastos

domingo, outubro 01, 2006


"EXÍLIO VOLUNTÁRIO"

Quantos fantasmas cercam hoje
a cidadela adormecida
onde voluntáriamente me exilei?

Quantos acenos
e apelos
e solicitações
me chegam do lá fora,trazidos pelos ventos da memória?

Quantas mãos estendidas,
rompendo o nevoeiro,
sob as pontes levadiças
recolhidas?

Quantos olhares convidativos
e promessas sussurradas aos ouvidos?

Quantos gritos de angústia
dos que ainda choram
meu exílio voluntário?

de: Nuno Bermudes in Exílio Voluntário 1966

É URGENTE

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade