sexta-feira, setembro 15, 2006

Cartas


Querida existência,

Não sabia quando fazer uma paragem e também nunca dei conta que pudesse...
O tempo corre de maneira muito misteriosa e depressa.
Num instante já és outra vivência, nasces e pereces a cada momento, todavia sobrevivo à tua duração e converto-me em tua memória, testemunha das surpresas e dos enigmas, cúmplice do esquecimento e escrava da verdade.
Agora percebo que ninguém pode escapar-se de ti.
Apenas podemos fantasiar que não há viagens só de ida, que os lugares onde nascemos nos pertencem, que as recordação nos fazem viver, que o mar é azul em todos os continentes, que as estrelas são parte do mesmo firmamento. Que o Universo é único.
Sei o quero, sei para onde vou e os meios que tenho para lá chegar. Mas, por favor, percorre tu alguns quilómetros... e deixa-me parar, um instante que seja.
Sempre perguntei como divides destino e sorte, como teces essa rede de amor e abandono, como a vida treme perante a morte, e como tudo volta ao princípio.
Enumerar cada coisa que te roubei, mais as que me entregaste por direito, é uma equação infinita, é mais que uma dúvida, é mais que uma vida. É uma oportunidade escondida dentro de si mesma, como um espelho, de um lado estamos e do outro somos imagem reflectida, invertida, repetida e única.
Tenho ainda tanto que agradecer-te...
A vez que me deixaste fazer o meu próprio conto e começou a minha vida...
A vez que o meu olhar ultrapassou o que não entendia e aprendi a sonhar.
E quando o corpo, já com algum domínio, me proporcionou saltos maiores com as consequentes dimensões de risco. Com o medo na garganta mas o desejo no coração, assim venci os desafios, assim saboreei os momentos...
De criança sem ditadura a uma adulta escrava de ataduras.
De inocente curiosa a senhora de razões justas.
De menina sonhadora a mulher com incredulidade reservada.
É irónico, porque antes era a filha e hoje sou a mãe...
Será que os papéis no teatro da vida nos são passados ou atribuídos por mérito?
Será que quando perdemos a vontade, a vida nos põe ocupados novamente?Será que mesmo quando desejamos definir tudo à nossa medida, as coisas são como têm que ser e o valor que lhes atribuímos é simples inventário?
Será que a maneira como nos ensinam a fazer as coisas são apenas princípios básicos e os segredos são reservados para que os possamos desvendar?
Quanta magia e sedução... o vento tem música... e silêncio o pensamento...
O sorriso é doce... e amargos os prantos...
Tem esperança a espera... e prémios as promessas...
Tem nome e verbo, o amor... tem tudo, nada lhe falta...
Somos nós que nos privamos de ver, de crer, de sentir e de absorver o que há em ti.
Se algo não tive foi porque não pedi ou não soube onde procurar...
Se recusei alguma vez o que me tocou viver foi por comodidade não por cobardia...
E se alguma vez me esqueci do quanto vales... esse dia perdido, conta também.
Nada te posso pedir porque me deste tudo, portanto, daqui para a frente continuarei a abrir os teus presentes...
Mas não me esqueço de te agradecer por me deixares ser quem sou.
Dou-te graças pelo espaço que me deixas... e se alguma vez se acabar o teu tempo, abraçar-te-ei nos meus sonhos eternos...
Adoro-te,

iMorgado

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