Falo do sacramento do silêncio,
Da muda eucaristia
Da vida,
Quando no mundo não havia ainda
Palavras
E ninguém profanava
A terra que pisava.
Falo da neve, sem qualquer imagem
A sujar-lhe a brancura.
E relembro a pureza
Do lobo a passeá-la sem a ver,
À procura
Da presa
Que há-de comer
Falo do mar sem ninfas
E sem Camões.
Das estações
Do ano,
Conhecidas apenas
Pela fúria do vento,
Pelo cheiro das flores,
Pelo gosto dos frutos
E pelo sono das folhas fatigadas
No altivo travesseiro das ramadas.
Falo do que não tinha nome,
E tem nome,
E o nome desfigura.
E queixo-me de ti, humana criatura,
Que dizes madrugada
De janela fechada,
E acreditas
Que o som da tua voz enclausurada
Traz o renovo que necessitas.
Miguel Torga
sábado, março 17, 2007
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