segunda-feira, abril 30, 2007
domingo, abril 29, 2007
Poemas
A nascente caía do rochedo
Gota a gota sobre o temível mar,
E o Oceano, que ao nauta faz medo,
Lhe diz: «Que me queres tu, a chorar?
Eu sou o temor e a tempestade,
Termino onde o céu se expande.
Terei eu de ti necessidade,
De ti pequena, sendo eu tão grande?»
Responde a nascente ao abismo vasto:
«Dou-te, sem glória, sem ruído fazer,
Aquilo que te falta, ó mar nefasto!
Uma gota de água para se beber.»
Victor Hugo
[04 – 1854]
Gota a gota sobre o temível mar,
E o Oceano, que ao nauta faz medo,
Lhe diz: «Que me queres tu, a chorar?
Eu sou o temor e a tempestade,
Termino onde o céu se expande.
Terei eu de ti necessidade,
De ti pequena, sendo eu tão grande?»
Responde a nascente ao abismo vasto:
«Dou-te, sem glória, sem ruído fazer,
Aquilo que te falta, ó mar nefasto!
Uma gota de água para se beber.»
Victor Hugo
[04 – 1854]
Pegadas que recortam
Sinto saudades
E sonho com vontade
Uma passeata calma
À luz da lua e das estrelas
Recortando a costa
Descalço, de calças arregaçadas
Sentindo a brisa e a areia molhada
Numa praia vazia
Que me conhece dos castelos
E das fortalezas de areia
Que eu fazia contra o mar
©Amores Perfeitos – Nuno Pinto Bastos
E sonho com vontade
Uma passeata calma
À luz da lua e das estrelas
Recortando a costa
Descalço, de calças arregaçadas
Sentindo a brisa e a areia molhada
Numa praia vazia
Que me conhece dos castelos
E das fortalezas de areia
Que eu fazia contra o mar
©Amores Perfeitos – Nuno Pinto Bastos
sexta-feira, abril 27, 2007
O Grito
Dos dias, sim, mas das noites
quem pergunta pelo nome
essas flores selvagens
(seriam flores?)
trazidas pelo teu assobio
A beleza nunca é clara
no modo em que se aproxima
Somos com certas coisas
um mundo ainda terrível
incapaz de explicações
sem nenhuma das certezas
mesmo aquelas, ínfimas, que sustentam
uma palavra, um olhar ou um grito
Só nos resta a maneira
mais pura:
de igual para igual
tão desconhecidos
José Tolentino de Mendonça
in De Igual para Igual
quem pergunta pelo nome
essas flores selvagens
(seriam flores?)
trazidas pelo teu assobio
A beleza nunca é clara
no modo em que se aproxima
Somos com certas coisas
um mundo ainda terrível
incapaz de explicações
sem nenhuma das certezas
mesmo aquelas, ínfimas, que sustentam
uma palavra, um olhar ou um grito
Só nos resta a maneira
mais pura:
de igual para igual
tão desconhecidos
José Tolentino de Mendonça
in De Igual para Igual
quarta-feira, abril 25, 2007
SER POETA
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer o que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de um condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
[Vila viçosa, 1894 – 1930]
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer o que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de um condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
Florbela Espanca
[Vila viçosa, 1894 – 1930]
PORQUE
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividindo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
[Porto, 1919 – 2004]
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividindo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
[Porto, 1919 – 2004]
segunda-feira, abril 23, 2007
Poema da flor proibida
Por detrás de cada flor
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.
Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.
Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.
Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.
António Gedeão
Obra Poética [Edições João Sá da Costa 2001]
há um homem de chapéu de coco e sobrolho carregado.
Podia estar à frente ou estar ao lado,
mas não, está colocado
exactamente por detrás da flor.
Também não está escondido nem dissimulado,
está dignamente especado
por detrás da flor.
Abro as narinas para respirar
o perfume da flor,
não de repente
(é claro) mas devagar,
a pouco e pouco,
com os olhos postos no chapéu de coco.
Ele ama-me. Defende-me com os seus carinhos,
protege-me com o seu amor.
Ele sabe que a flor pode ter espinhos,
ou tem mesmo,
ou já teve,
ou pode vir a ter,
e fica triste se me vê sofrer.
Transmito um pensamento à flor
sem mover a cabeça e sem a olhar
De repente,
como um cão cínico arreganho o dente
e engulo-a sem mastigar.
António Gedeão
Obra Poética [Edições João Sá da Costa 2001]
domingo, abril 22, 2007
O ACHADO
Traziam nova terra e nova luz
Nos românticos olhos lusitanos;
E a cruz
Que depois carregaram largos anos.
Traziam todo o anseio que os levou,
E que nenhuma Índia satisfez.
E traziam a fé que lhes sobrou
Da fé sem fim dessa primeira vez.
Traziam a promessa de voltar
A ver se a cor do sonho se mantinha:
O puro azul de que se veste o mar
Quando o fim da aventura se avizinha…
Miguel Torga
Nos românticos olhos lusitanos;
E a cruz
Que depois carregaram largos anos.
Traziam todo o anseio que os levou,
E que nenhuma Índia satisfez.
E traziam a fé que lhes sobrou
Da fé sem fim dessa primeira vez.
Traziam a promessa de voltar
A ver se a cor do sonho se mantinha:
O puro azul de que se veste o mar
Quando o fim da aventura se avizinha…
Miguel Torga
sábado, abril 21, 2007
E POR VEZES
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão Ferreira
[Lisboa, 1927 – 1966]
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos corpos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos
David Mourão Ferreira
[Lisboa, 1927 – 1966]
sexta-feira, abril 20, 2007
Amigos de berço
O nome parece a infância
O nome parece a infância.
Quando na velhice é termos vindo
Sem pressa
Para dentro
Do nome se esvazia o corpo quando o corpo cai
É um fruto.
O nome é ainda
O modo como chamas.
O nome é a arma contra mim. O maior perigo.
Com os teus lábios podes destruir-me.
Daniel Faria
In Explicação das Árvores e de outros animais
O nome parece a infância.
Quando na velhice é termos vindo
Sem pressa
Para dentro
Do nome se esvazia o corpo quando o corpo cai
É um fruto.
O nome é ainda
O modo como chamas.
O nome é a arma contra mim. O maior perigo.
Com os teus lábios podes destruir-me.
Daniel Faria
In Explicação das Árvores e de outros animais
Guarda a manhã
quinta-feira, abril 19, 2007
terça-feira, abril 17, 2007
domingo, abril 15, 2007
sábado, abril 14, 2007
sexta-feira, abril 13, 2007
Levo o teu coração comigo (levo-o dentro do meu coração)
Nunca estou sem ele (onde quer que vá, tu vais comigo, minha querida;
e o que quer que eu faça, é obra tua, meu amor)
Não temo sina alguma (porque tu és o meu destino, meu doce)
Não quero nenhum mundo
(porque minha maravilha, tu és o meu mundo, a minha verdade)
és tudo aquilo que a lua sempre significou
e tudo o que um sol sempre cantará
Eis o segredo mais profundo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o rebento do rebento
o céu do céu de uma árvore chamada vida;
que cresce mais além do que a alma pode esperar
ou do que a mente possa esconder)
esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas
Levo o teu coração (levo-o no meu coração)
Tradução do poema de E.E. Cummings, postado por Nocturno74
Nunca estou sem ele (onde quer que vá, tu vais comigo, minha querida;
e o que quer que eu faça, é obra tua, meu amor)
Não temo sina alguma (porque tu és o meu destino, meu doce)
Não quero nenhum mundo
(porque minha maravilha, tu és o meu mundo, a minha verdade)
és tudo aquilo que a lua sempre significou
e tudo o que um sol sempre cantará
Eis o segredo mais profundo que ninguém sabe
(eis a raiz da raiz e o rebento do rebento
o céu do céu de uma árvore chamada vida;
que cresce mais além do que a alma pode esperar
ou do que a mente possa esconder)
esta é a maravilha que mantém as estrelas separadas
Levo o teu coração (levo-o no meu coração)
Tradução do poema de E.E. Cummings, postado por Nocturno74
I Carry Your Heart with Me
I carry your heart with me
(I carry it in my heart)
I am never without it
(anywhere I go you go, my dear; and whatever is done by only me is your doing, my darling)
I fear no fate
(for you are my fate, my sweet)
I want no world
(for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant and whatever a sun will always sing is you
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the budand the sky of the sky of a tree called life; which growshigher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
I carry your heart (I carry it in my heart)
E.E. Cummings
(I carry it in my heart)
I am never without it
(anywhere I go you go, my dear; and whatever is done by only me is your doing, my darling)
I fear no fate
(for you are my fate, my sweet)
I want no world
(for beautiful you are my world, my true)
and it's you are whatever a moon has always meant and whatever a sun will always sing is you
here is the deepest secret nobody knows
(here is the root of the root and the bud of the budand the sky of the sky of a tree called life; which growshigher than soul can hope or mind can hide)
and this is the wonder that's keeping the stars apart
I carry your heart (I carry it in my heart)
E.E. Cummings
quinta-feira, abril 12, 2007
Estranho é o sono que não te devolve.
Estranho é o sono que não te devolve.
Como é estrangeiro o sossego
de quem espera recado.
Essa sombra é como a alma
De quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde. Como é
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.
Daniel Faria
[de Explicação das árvores e de outros animais, poesia]
Como é estrangeiro o sossego
de quem espera recado.
Essa sombra é como a alma
De quem já só por dentro se ilumina
e surpreende
e por fora é
apenas peso de ser tarde. Como é
amargo não poder guardar-te
em chão mais próximo do coração.
Daniel Faria
[de Explicação das árvores e de outros animais, poesia]
quarta-feira, abril 11, 2007
terça-feira, abril 10, 2007
Devo ser o último tempo...
Devo ser o último tempo
A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Devo ser o último degrau na escada de Jacob
E o último sonho nele
Devo ser a última dor no quadril.
Devo ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Devo ser a véspera. Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir.
DANIEL FARIA
[De Explicação das Árvores e de Outros Animais, Poesia.]
A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Devo ser o último degrau na escada de Jacob
E o último sonho nele
Devo ser a última dor no quadril.
Devo ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Devo ser a véspera. Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir.
DANIEL FARIA
[De Explicação das Árvores e de Outros Animais, Poesia.]
domingo, abril 08, 2007
A INFÂNCIA
O menino cantava; sua mãe no leito, agonizava,
Extenuada, a sua fronte na sombra pendia;
E sobre ela, a morte numa nuvem vagueava;
E eu ouvia a canção e escutava a agonia.
Tinha cinco anos o menino, e junto à janela,
Um claro som de risos e de jogos se erguia;
E a mãe, ao lado da criança doce e bela
Que todo o dia cantava, toda a noite tossia,
A mãe sob as lajes do claustro foi dormir;
E o menino voltou a cantar…
A dor é um fruto que Deus não faz surgir
Num ramo frágil demais para suportar.
Paris, 01 – 1835
Victor Hugo
Extenuada, a sua fronte na sombra pendia;
E sobre ela, a morte numa nuvem vagueava;
E eu ouvia a canção e escutava a agonia.
Tinha cinco anos o menino, e junto à janela,
Um claro som de risos e de jogos se erguia;
E a mãe, ao lado da criança doce e bela
Que todo o dia cantava, toda a noite tossia,
A mãe sob as lajes do claustro foi dormir;
E o menino voltou a cantar…
A dor é um fruto que Deus não faz surgir
Num ramo frágil demais para suportar.
Paris, 01 – 1835
Victor Hugo
sexta-feira, abril 06, 2007
quinta-feira, abril 05, 2007
O bater das horas
Uma da manhã, duas da tarde,dez da noite...
é sempre igual este bater das horas, sempre igual!
De nenhuma espero nada... senão mais uma ruga,
que me torna a mascarada. A mascarada deste carnaval!
Uma da manhã, duas da tarde,dez da noite...
é sempre igual este bater das horas, sempre igual!
De nenhuma espero nada... senão mais um sulco,
no rosto de palhaço, que provoque uma risada.
E os outros, vão passando indiferentes,
à fome do palhaço à dor da mascarada...
e as horas vão batendo e eu não espero nada!
21 – Agosto – 73
Benguela, Angola
Maleza
é sempre igual este bater das horas, sempre igual!
De nenhuma espero nada... senão mais uma ruga,
que me torna a mascarada. A mascarada deste carnaval!
Uma da manhã, duas da tarde,dez da noite...
é sempre igual este bater das horas, sempre igual!
De nenhuma espero nada... senão mais um sulco,
no rosto de palhaço, que provoque uma risada.
E os outros, vão passando indiferentes,
à fome do palhaço à dor da mascarada...
e as horas vão batendo e eu não espero nada!
21 – Agosto – 73
Benguela, Angola
Maleza
quarta-feira, abril 04, 2007
segunda-feira, abril 02, 2007
Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
Fernando Pessoa
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