domingo, agosto 19, 2007

A solidão

Um jornalista filantropo diz-me que a solidão é prejudicial ao homem; e em apoio da sua tese cita, como todos os incrédulos, palavras dos padres da igreja.
Eu sei que o demónio frequenta voluntariamente os lugares áridos, e que o Espírito do homicídio se inflama na solidão. Mas seria possível que a tal solidão apenas fosse perigosa para a alma desocupada que povoa com as suas paixões e com as suas quimeras.
Nas nossas raças tagarelas há indivíduos que aceitariam sem a menor repugnância o supremo suplício, se lhes fosse permitido fazer do alto do cadafalso uma copiosa arenga, sem o perigo de os tambores de Santerra lhes cortarem bruscamente a palavra.
Não os lamento, pois adivinho que as suas efusões oratórias lhes facultem volúpias iguais às que os outros encontram no silêncio e no recolhimento; só os desprezo.
Desejo sobretudo que o meu maldito plumitivo me deixe gozar à minha maneira. Você não experimenta nunca – diz-me ele num tom nasalado muito apostólico – a necessidade de partilhar as suas alegrias’ Vede o subtil invejoso!
Ele sabe que eu detesto as dele, e vem insinuar-se nas minhas, o odioso desmancha – prazeres!
Essa grande desgraça de não poder estar só!... diz algures La Bruyère, como para envergonhar todos aqueles que ocorrem a esconder-se na multidão, temendo sem dúvida não poderem suportar-se a si próprios.
Quase todas as desgraças nos vêm de não termos sabido conservar-nos no nosso quarto, diz outro sábio, Pascal, julgo eu, chamando assim para a célula do recolhimento todos esses desvairados que procuram a felicidade no movimento e numa prostituição a que eu podia chamar fraterna, se quisesses usar a bela linguagem do meu século.

[Charles Baudelaire]

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