sábado, setembro 01, 2007

O duelo do artista

Como um fim de dia de Outono é penetrante. Tão penetrante que chega a tornar-se doloroso, pois há nele certas emoções deliciosas cuja indefinição não exclui a intensidade; e não há ponta mais acerada que a do infinito.
Que enorme delicia, a de mergulhar os olhos na imensidade do céu e do mar! Solidão, silêncio, incomparável castidade do azul! Uma pequena vela que estremece no horizonte, e que pela sua pequenez e pelo seu isolamento imita a minha irremediável existência, a melodia monótona do marulhar das ondas, todas estas coisas pensam através de mim, ou eu através delas (pois na grandeza do sonho, o eu perde-se depressa); pensam sim, mas musicalmente sem argúcias, sem silogismos, sem deduções.
Entretanto esses pensamentos, que eles saiam de mim ou se desprendam das coisas, em breve se tornam intensos de mais. A força da volúpia cria um mal - estar e um sofrimento positivo. Os meus nervos demasiado tensos não dão mais que vibrações gritantes e dolorosas.
E agora a profundeza do céu consterna-me. A sua limpidez exaspera-me. A insensibilidade do mar, a imutabilidade do espectáculo revoltam-me… Será preciso sofrer eternamente, ou fugir eternamente do belo?
Natureza, feiticeira sem piedade, rival sempre vitoriosa, deixa-me! Cessa de provocar os meus desejos e o meu orgulho!
O estudo da beleza é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido.

Charles Baudelaire
[1821 – 1867]

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