segunda-feira, janeiro 07, 2008

AS AVES DO CAOS

Escrevo, à luz do apocalipse, as primeiras
linhas do ocaso. Dou-lhes um sentido obscuro
como a ondulação das frases na vegetação
da estrofe. Empurro para o lado o rebanho
que pasta a erva seca dos versos iniciais; e
passo para a margem de onde avisto o caos,
com as suas esplanadas ainda abertas para
um último café. Sento-me, então, à mesa
de onde os deuses partiram, pouco antes
da minha chegada. O empregado vem ter
comigo. «Não há nada para fazer neste país»,
diz-me. Olho em volta: destroços de astros,
um baldio onde as aves agonizam, caniçais,
o vento seco da morte. «Pode-se ir ao cinema»,
acrescenta. Mas o céu não serve de ecrã,
os anjos não vendem gelados nem pipocas
no intervalo, quando o público sai para
o átrio, num rastro de velhos cometas. «Então
conclui, resta-me esperar pelo fim da noite», e
noto-lhe que não me perguntou o que eu queria;
que preciso de um café, de um copo de água,
que os tempos estão maus para viver com
o sono da eternidade a magoar o espírito, a
puxar as pálpebras para o chão do infinito. « Ah,
se fosse assim em todos os cafés!», suspira,
saindo para sempre da minha vista. Mas
os pássaros começam a debicar as estrelas,
à minha vontade; e enxoto-os para o abismo,
sem pensar que me deixam sem o amparo
das suas asas, sem a música do seu canto.

[Nuno Júdice]

Sem comentários: