sexta-feira, novembro 07, 2008

Minhas entranhas são impregnadas de passados

Minhas entranhas são impregnadas de passados.
Estou sempre às voltas com as minhas lembranças,
a brincar-lhes passando-as delicadamente
entre meus dedos cansados, seu odor sorvendo,
absorvendo-lhes cada sensação já ímpar.

E se, por alguma artimanha casual,
pudéssemos, súbito, voltar ao lugar
já há tempos partido, revivê-lo pleno,
reconviver com as tão velhas impressões,
com a mesma velha disposição de objectos?
E se retornados a esse lugar místico
percebêssemos que ele e as pessoas estão
rigorosamente os mesmos, que o tempo não
passou-lhes, que nunca mais haverá saudade?
As paredes, então, não se nos mostrariam
escuras, enegrecidas como se muito
surradas pelas visões de tantas histórias,
como se, assim como connosco, lhes pesasse
o passado, ferida sempre aberta na alma
– a saudade – que jamais cicatrizará.
E se pudéssemos ser aqueles de outrora
sem sermos criaturas estranhas à gente?
E se fôssemos continuamente tão nossos
a ponto de não mais precisarmos chorar?
Tão nossos que o amanhã jamais derramaria
sobre nossas cabeças suas incertezas,
e o fogo do agora nos governaria?

E se nunca perdêssemos essa vontade
essa volúpia dos reencontros tardios
em que a única coisa a ser feita é comer
devorar os instantes, por si só, fugazes?

Hoje, contemplando antigas fotografias,
percebi que as lembranças me são dolorosas
porque embora muito presentes, são lembranças,
meramente.

[André de Oliveira Coelho]

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